Brevidades ao pé do ouvido


BREVIDADES PARA COMER COM OS OUVIDOS OU DELICIAR OS OLHOS é um projeto de Fernanda Babel aprovado no edital Usinas Culturais 2020 de Juazeiro-BA pela Lei Aldir Blanc. São 3 trechos da peça Brevidade ou Relembramentos de Maria Medeia. Atenção! Maria Medeia não é a mesma personagem título da tragédia clássica de Sófocles e sim uma cozinheira nordestina que acabou de retornar de seu autoexílio.

As histórias componentes são trechos da dramaturgia teatral do monólogo "Brevidades ou relembramentos de Maria Medéia", de autoria homônima. Laçado em e-book no blog.

O intuito é “abrir o apetite” dos espectadores para as histórias da personagem que trazem divertimento e reflexão. Serão disponibilizados por serviço de streaming a partir do dia 25 de fevereiro, o link ficará na Bio @fernanda.babel a partir das 20h.


Os podcasts apresentam algumas surpresinhas resultantes da mistura da literatura com o teatro em meio virtual. Contam com um colorido da música pela produção sonora criativa de Andrezza Santos. E utlrapassam a característica de monólogo, aparecendo outras vozes que antes viviam somente nas memória de Maria Medeia, através da atriz convidada Taís Veras e a cantora Andrezza Santos.

 

O projeto foi financiado pela Lei Aldir Blanc através do edital Usinas Culturais 2020 mediado pela Secretaria de Cultura, Turismo e Esporte de Juazeiro-BA.

 

Ficha técnica:


Intérpretes: 

Fernanda Babel, 

Taís Veras de Menezes,

Andrezza Santos.

 

Direção e designer: 

Thom Galiano.

 

Musicalidades e edição de som: 

Andrezza Santos.

 

Edição de som: 

Dj Werson.

 

Produção: 

Fernanda Babel.

 

Assessoria de comunicação: 

Adriano Alves.

 

Texto original: 

Fernanda Babel e Thom Galiano.

 

PARA OUVIR ACESSE:


Link para youtube:

 

Link para Spotify: 

https://open.spotify.com

 

 

 

Primeira História - Aperitivo ou sonhos


 

O cenário é uma cozinha desabitada e desarrumada, com uma mesa grande e gasta de madeira, em cima dela uma toalha de mesa artesanal, aparentemente mal costurada, um fogão, muitos pequenos vidros de temperos com roupinhas diferentes entre si, utensílios e potes gastos, um diário de receitas.


MARIA MEDEIA (com dificuldade de começar) - Vichi... cumo é dificutoso palestrar... Ara! Seu Flôr de cumadre Magrela que é que era bom no uso das palavras e Mainha que foi pras escola tudinho, mas mesmos lá no cunvívio diário com eles num aprendi foi quase que nada das artes dos bendizer... Oxe, cê sabe que demorei foi muito tempo pra gostar desse negócio de cunversação? É bem da verdade que só fui falar já menina veia nas beiradas dos 6 anos, inté chegar essa época já tinha era tumado de um tudo que é remédio: água de chuva; água de chocalho de cobra cascavel e inté reza pra ver se a língua desatava e.... No parecer dos daqui eu divia era de ser muda, o povo falava e Mainha se arretava! No parecer dos doutô da cidade eu não tinha problema nenhum com a fisiologia e mainha se intrigava, no parecer de minha vó eu era uma menina abençoada, que daria muito o que falar e mainha arrematava:


MAINHA (canta) - Meus zamor, meus zamor. Não se faça rio. Se a galega da gota serena desfraldou seus termos, não se avexe abra um surrisinho. Tudo tem sua hora e o que não tem vez, nóis dá um jeitinho.


Entonce, minhas cunversação dependia era, única e exclusivamente, das minhas mão, mas ninguém dava trela fora vó Marica  que sempre dizia olhando na bila dos meus olhos e segurando minhas mão: “Bença minha abençoada. Escuta bem! Tu é fogo, tem as mão boa pra fazê pão, podem dá a vida que a massa pricisa com todo essa quintura. Pães ou não pães é questão de opiniões”. Talvez de tanto que exercitei minhas mãos pras tentativas perdida de me comunicar elas adquiriram essa quentura... 

Cumadre Magrela tinha uma padaria na vila, e se achegava sempre de cinco da tarde pra bater o ponto do café trazendo pães doces e quentinhos, tinha dias que os pães eram de leite com uma casca amanteigada e lisa por cima pra ir derretendo com o café na boca, nos dias que se aproximavam dos festivos eles vinham com frutas picadas em conserva caseira, quando sentíamos de mainha ela trazia o de goiabada e vó, se dava o capricho de pôr uns taquinhos luxuosos de queijo coalho pra acompanhar. Enquanto comíamos, as mulheres tagarelavam no batente esperando as vacas tangidas passarem inté chegar a hora da Ave Maria... (sons de sino de igreja e de gado) Sempre quis que cumadre Magrela elogiasse as minhas mãos e ia correndo pedir bença pra ela, mas ao invés da resposta costurmeira ela arrespondia: Bença dindinha lua me dá pão com farinha pra eu dar as minhas galinhas que tão presa na cozinha morrendo de fome. 

Vó Marica achava graça, vendo meu desapontamento de ficar no vazio de elogios e pra me amolecer me chamava pra adjuntar a ela no serviço do café, e de pouquinho em pouquinho fui botando essas mãos permanentemente na cozinha, do ajudar a servir ao ajudar a preparar, mas antes de ser a responsável pelos banquetes a padaria de cumadre Magrela já tinha virado uma loja de construção e o que era macies de pães cheirosos, sequilhos e sonhos virou brita, cimento e blocos para o progresso da região.


Segunda História - Prato principal ou Uma certa carta certeira



O cenário é uma cozinha pequena, um fogão sem forno, um balcão de pedra dividindo a cozinha da sala, uma mesa de vidro com uma pequena toalha decorativa, aparentemente mal costurada, quatro cadeiras, uma prateleira com livros e pequenas porcelanas de corujas.


CASSANDRA - Que essa cartinha chegue nas mãozinhas de minha querida irmãzinha Medeia Mariazinha

Merimã, na véspera do noivado de Helena, o noivo sem futuro dela me trouxe um presente de grego. Foi vindo de fala mansa e começou me dizendo que era pra adular a cunhadazinha, mas logo em seguida, sem pudor, foi me apresentando e explicando o tal presente: uma graxa que era muito usada na capital por grandes quituteiras e que me ajudaria a fazer algo que prestasse. Algo que prestasse!? Meio que contrariada, ainda botei uma colher da tal da margarina no fogo pra derreter. Eita bicha estranha um amarelo esmaecido, parecia doente. Mas meu juízo - que não é de bode - apertou e eu o inquiri, “fazer algo que preste para quem, ô seu cabra?”. E ele, mais descarado, disse que tinha reparado que eu além de não ser nada prendada, era fraca das feição, só me via lendo os livro da falecida e provavelmente morreria no caritó, porque mulher que tem ideias próprias é um perigo! E já ia falando que por isso nossa família tava naquele estado, porque mainha tinha ido estudar fora e em vez de trazer um macho pra cuidar das terras trouxe três filhas. Ahhhhhh, não resisti e pequei os dois tabletes de margarina taquei nele, por sorte, um acertei na fuça do infeliz o outro foi nos quibas. Onistardo escorregou na graxa e gritou feito um frangote, se debatendo feito uma barata de perna pra riba. E antes que eu me atirasse pra cima dele feito uma onça, vó apareceu e aí não teve acordo, cê sabe como ela adula aquela peste. Em tudo, eu e ela descordamos, exceto que manteiga é muito melhor que essa graxa feita de plástico, vó me confessou lá, meio dura daquele jeito dela, enquanto limpávamos a lambança... Então tive uma visagem que me arrepiou do cucuruto ao fiofó. Ir embora era a minha sina.

Eu não ia brigar com o que eu vi no de dentro né. Entonce, me arretirei, eu e meus trapo.  Eu vi e respeitei minha visão, você entende? Fazia um tempo que não sentia isso... E estou te escrevendo porque ontem tive outra clarivisão. Maria Medeia preste muita atenção no que tô te escrevinhando, tu tens uma missão nessa casa, seu momento vai chegar, tenha coragem merimã, coragem. Num sei explicar, tem algo haver com a cozinha... Tem alguém que você tem de salvar com um preparo dos teu, as coisas ainda tão turvas. Mas acredite tem algo por se assuceder. Mas num se avexe, você vai sentir a hora, é só escutar o de dentro.


Com amor e cuidados, Cassandra



Terceira História - Sobremesa ou fim mesmo?



MARIA MEDEIA - Já eram 10 hora do relógio, a terra já tava era vermelha do sol!  Hora de chamar Apolo e o mais novo. Apolo que já inté pegou tantas mas já tá branco de veio, e o novo que gosta mais de brincar com os guri do que do sirviço do pega. Os catarrento olhano a gurizada mais veia nas carreira. Na confusão desordera dessa capitã sem experiência, esses mininos perdidos fizeram de pegar a Doida, ara, a bichinha chora mais que tudo, num dá pra segurá de tanta lágrima de crocodilo, inté parece atriz dos filme do Mazzaropi, solta ela aí. Vamo mudá a estratégia e o cardápio, é o jeito que pegá os cantadô, porque as dona do terreiro tão é esperta. Daí aparece vó Marica virada no mói de cuentro: Diacho, demora danada, ande pra correr nesse sirviçu! Hoje temo visita!

Apolo ainda consegue capturar, mas tinha que ser logo Mercedes. E antes que eu pudesse separar ela de Apolo, vó sentencia: Essa tá é gorda e veia, a carne daqui nestante fica rançosa, pronto! Vamo que hoje é tu que vai fazer as honra... Maria Medeia deixe de valentia que comigo só tem um tipo de remédio... Tu num queria aprender criatura?...  Não vai desistir logo agora mulherzinha! Essas aí é tudo igual, num sei mode que dá nome, tão aqui nesse mundo é só pra isso mermo e eu já te tinha assuntado sobre a maior certeza. (Pausa. Irritada) Daqui que numa pancada só é fim!


Fim mermo?

Eu já ia era me arretirando, mar na duvida ainda olhei pra traz na esperança de ter uma luz que me alumiasse uma escapatória, aí foi quando Mercedes olhou na bila dos meus olhos e falou: 

Oxente! Fica aqui comigo, por nossa amizade fica, mulherzinha!  Num carece de derramar lagrima não, tu vai ver é rapidinho... Essa vai ser nossa derradeira peripécia... Êta pêta! Mas tenha coragem e fique olhando sem pena, se não minha cabeça vai e meu corpo fica ciscando por aí, oxe e pruma galinha num tem distino pior. Minina foi um deleite ter sua companhia nessa jornada, e nada na medida mais justa, que seja ocê a me ajudar a fazer a travessia no findar. Me segura!  Êta pêta! Só num morre o que já tá morrido! Te amo minha bença!  


Ariadne ficou esperando ver os ovinho que num tinha. “Parece que vai render um bom pirão”, falou vó com a boca cheia d’agua. A moela vai ser de quem achar primeiro na panela, o fígado vai ser de Veio Antônio, os ossos só Apolo que vai comer que os cachorro de hoje num come mais, porque engasga. “Pega mais três prato que cumadre Magrela e seu Flôr vieram da roça mais o menino Itubaína...” Todos vão ter que encher o bucho com pirão e arroz porque Mercedes é uma só. (Pausa) A mim coube engolir o coração, o sal das lágrimas o deixaram conservado inté hoje.







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